Nada é permanente, exceto a mudança. Algumas das pessoas que estão lendo minhas palavras sempre tiveram o gosto pela filosofia. Outras, assim como eu, desenvolveram essa nova paixão à medida que deixavam de estudar por obrigação e passavam a aprender seguindo sua estrela-guia, a curiosidade.
Independente de em qual situação você se adeque, julgo razoável a afirmação de que você já ouviu, durante os tempos de escola, as seguintes palavras de Heráclito, proferidas há cerca de 2500 anos:
“Ninguém se banha duas vezes nas águas do mesmo rio, pois na segunda vez nem o indivíduo nem o rio são mais os mesmos.”
Confesso que, naquela época, meus ouvidos de adolescente não conseguiam captar a frequência da voz imponente de Heráclito de Éfeso. Sua fala milenar ecoava em meus tímpanos, mas não era codificada por meu cérebro.
Era abstrato demais pra mim. O que ele queria dizer com aquela sentença?
Foi então que o tempo passou. O rio fluiu. E as suas águas me levaram para um curso de Engenharia Mecânica.
Na faculdade cursei, dentre outras disciplinas, Mecânica dos fluidos I e Mecânica dos fluidos II.
Como era de se esperar, conhecer os mecanismos por trás do escoamento dos fluidos não era o suficiente para compreender sobre o rio de Heráclito. Estudar o fenômeno do empuxo também não me fazia imergir em toda a profundidade da fala do filósofo.
E mais uma vez, o rio fluiu. Aliás, ele nunca parou de fluir, sequer por um instante.
Suas águas então me trouxeram alguns livros. Quando li O Príncipe(Amazon) de Maquiavel, descobri que os grandes homens só eram grandes homens porque aprenderam com outros grandes homens que vieram antes deles.
Foi então que as águas do rio, que até então estavam meio turvas, começaram a ficar, aos poucos, mais claras…
O rio também me trouxe provas de que aquilo que Maquiavel falou há 500 anos era real.
Ao ler O Sonho Grande(Amazon), um clássico brasileiro sobre empreendedorismo, as palavras de Jorge Paulo Lemann, de que “nós não precisamos reinventar a roda”, ficaram marcadas em minha cabeça como uma impressão digital.
Quando fundaram o Banco Garantia, os empresários brasileiros aprenderam com o gigante Goldman Sachs.
Ao comprarem as Lojas Americanas, o grupo se inspirou no grandioso Wallmart.
Ao fundarem a AmBev, Lemann e seus sócios modelaram a então maior cervejaria do mundo, a Anheuser Busch.
E o rio fluiu.
Conheci um grande homem chamado Marco Aurélio.
Meus olhos conversaram com as suas palavras escritas nas folhas amareladas. Vez ou outra volto a visitá-lo.
Nós ainda mantemos contato com frequência, apesar de o imperador romano filósofo ter nascido em 121 d.C.
Embora Marco Aurélio tenha vindo ao mundo um milênio e meio antes de Maquiavel, ele já era capaz de agir conforme um conselho semelhante de Sócrates (470 a.C.), que nos sugeria “gastar nosso tempo nos desenvolvendo com os escritos de outros homens. Assim, podemos adquirir facilmente o que eles trabalharam duro para conquistar”.
Sabendo disso, naquela época o imperador filósofo já aprendia com as palavras de grandes homens. Dentre elas, havia as do próprio Heráclito de Éfeso.
Inspirado na fala sobre o rio, Marco Aurélio também me ensinou que “o tempo é como um rio, uma forte corrente de eventos.
Mal chegam as coisas em nosso campo de visão, e já são trocadas por outras.” Além dessa fala, no livro Meditações(Amazon) (uma espécie de diário do imperador) também podemos encontrar falas como:
“A existência flui sobre nós como um rio […] Nada é estável, nem o que está aqui agora. O infinito do passado e do futuro se abre diante de nós como um abismo, cuja profundidade não somos capazes de enxergar”.
E o rio não para de fluir…
“NADA é estável”.
Curioso, não? Hoje ouvimos frequentemente, no mundo empreendedor, uma variação dessa frase de igual significado.”Estabilidade não existe” — repete incansavelmente o empresário Flávio Augusto, fundador da escola de inglês WiseUp e dono do time de futebol Orlando City.
Independente de se você gosta ou não dos conteúdos do Flávio, o fato é que essa fala acaba de tornar transparentes as águas do rio de Heráclito, que até então estavam translúcidas.
Nada é permanente, exceto a mudança. Esse conceito precisa fluir em nossas veias.
As pessoas que acreditam em estabilidade tendem a encarar o futuro como uma extrapolação do passado. Elas acreditam que o dia de amanhã será exatamente como foi ontem.
O filósofo e escritor libanês Nassim Taleb em sua obra A Lógica do Cisne Negro(Amazon) constrói uma narrativa que explica muito bem o comportamento desse tipo de pessoa.
Elas pensam de forma semelhante ao peru do dia de ação de graças.
O animal é alimentado por 1000 dias consecutivos com sua ração geneticamente modificada.
Cada dia que passa, o peru ganha mais confiança do açougueiro, e cresce a sua certeza sobre como será o dia de amanhã.
Até que, no milésimo dia de vida do peru, ele não encontra o açougueiro com sua tradicional ração em mãos, mas sim com uma faca. E então a vida do peru se esvai, junto com todo o seu excesso de confiança.
Mas não só pessoas podem ser consideradas perus.
Temos diversos exemplos de empresas com o mesmo comportamento.
O livro Organizações Exponenciais(Amazon), escrito pelas maiores mentes do Vale do Silício, cita empresas que não foram capazes de enxergar suas rações geneticamente modificadas se transformarem em facas.
Trata-se de uma série de corporações que outrora dominavam seus respectivos setores, mas não conseguiram se adaptar às rápidas mudanças tecnológicas.
Empresas como Blockbuster, Kodak, Nokia, entre outras que em breve estarão nas cinzas da história.
Segundo a obra brasileira O Novo Código da Cultura(Amazon), a busca pela estabilidade também tende a ser um veneno para a cultura organizacional.
Empresas que privilegiam a estabilidade em suas culturas acabam favorecendo a rigidez e a pouca flexibilidade em sua estrutura.
Nesse sentido, cria-se uma espécie de paradoxo: as empresas que mais se dedicaram no passado ao fortalecimento de suas culturas organizacionais são justamente as que geraram blindagens herméticas, dando origem a uma cultura impermeável.
O que poucas pessoas sabem é que o equilíbrio pode significar a morte.
De acordo com o teórico da complexidade Stuart Kaufman, para o não orgânico, o não complexo, digamos, um objeto sobre a mesa, o equilíbrio acontece em um estado de inércia.
Contudo, para os organismos e sistemas complexos (como seres humanos, empresas e a economia) o equilíbrio só acontece de fato com a morte.
Considere um exemplo usado por Kaufman…
Um redemoinho começa a se formar em sua banheira.
Esse tipo de situação está permanentemente “longe do equilíbrio”. Para o orgânico (complexo), um estado de normalidade requer um certo grau de volatilidade, de aleatoriedade, de troca contínua de informações e de estresse — tal como o redemoinho na banheira.
Mas não me estenderei discorrendo sobre o redemoinho, para não acabar misturando as coisas em nossas cabeças.
Sugiro sair, agora, das águas da banheira. Voltemos para as águas do rio.
Não precisamos fazer as disciplinas de Mecânica dos Fluidos I e II para percebermos que as águas de Heráclito estão se movendo cada vez mais depressa.
Estamos imersos no rio, e é fácil sentir a correnteza escoando, veloz, em nossa pele.
Recentemente, encontrei a materialização do rio milenar de Heráclito de Éfeso em uma fala do humorista e professor de criatividade Murilo Gun.
Com o exemplo que ouvi de Murilo, as águas ganharam uma explicação sólida e tangível, satisfazendo o lado engenheiro que habita em mim.
Em uma palestra TEDx Talks, ele introduz o conceito de que o mundo é uma esteira rolante, onde muitas vezes o que você aprendeu ontem se torna obsoleto amanhã.
Assim, para sobrevivermos na era exponencial, precisamos, necessariamente, aprender em um ritmo superior ao ritmo de mudança do mundo.
Para tornar a definição ainda mais objetiva, Murilo diz que a fórmula da evolução é:
E = ΔA/ΔM
E isso faz total sentido.
Se tivermos um E<1, estamos involuindo. Com E = 1, nossa taxa de aprendizagem é igual ao ritmo de mudanças do mundo. Se possuirmos um E>1, estamos evoluindo, há progresso.
Voilà.
Eis em uma única linha o antídoto secreto para nos tornarmos imunes à síndrome do peru. Ele é a única salvação.
É preciso aprender a nadar nesse rio. Caso contrário, podemos nos afogar.
Nós vivemos em um mundo que não separa as pessoas entre “fracas” e “fortes”, e sim entre “aqueles que aprendem” e “aqueles que não aprendem”.
A Blockbuster tinha claramente uma relação E<1. E virou pó.
Então chegou a Netflix reinventando o mercado, e nadando não no rio de Heráclito, mas sim em um Oceano Azul(Amazon).
Em seguida, vieram outros gigantes como a Amazon, com a Amazon Prime, e a Disney, com a Disney Plus, batalhando por algumas fatias de mercado.
A Netflix deixou muito claro em qual dos dois lados da divisão do mundo ela está, quando viu os movimentos do mercado e deixou de ser apenas uma plataforma de streaming, e se tornou, também, uma produtora de conteúdo.
Existe uma pergunta muito simples (que certamente foi amplamente realizada pela Netflix) que serve para impedir que seu negócio vá para a mesma direção que a Nokia, a Blockbuster, e a Kodak:
“Qual é o modelo de negócio que pode matar o meu modelo de negócio atual?”
E então se adapte.
Aprender a aprender. Este é o único caminho.
Nesse sentido, existe um livro que é tido como um manual de sobrevivência do século XXI. Ele se chama Mindset(Amazon) e foi escrito pela psicóloga Carol Dwek.
Antes que o termo do título desperte alguma espécie de preconceito em você, saiba que a implantação dos conceitos desse livro foi o que tirou a Microsoft de uma possível derrocada, e a colocou de volta nos trilhos, em ascensão plena.
Essa manobra do transatlântico Microsoft foi feita pelo CEO Satya Nadella e, inclusive, ganhou um capítulo exclusivo no próprio livro O Novo Código da Cultura(Amazon).
Embarque no navio Microsoft e vamos recapitular o que vimos até aqui. Nadamos no rio de Heráclito de Éfeso, em uma banheira, e em um oceano azul. No começo as águas estavam turvas, e ao final imagino que tenham ficado cristalinas.
Nós conhecemos também algumas figuras na jornada, como o Murilo, o Taleb, o açougueiro, e o peru de ação de graças.
Se há um ensinamento que todos eles têm para contribuir, é:
O que te levou até aqui definitivamente NÃO É o que vai te levar para o próximo passo.